Motivações para a construção de uma carreira no ensino das Geociências
Autora: Renata Ribas Zanella
Imagem ilustrativa. Fonte: [1]
O caminho a ser percorrido para ser professor universitário é longo e, em muitas vezes, as várias pedras que encontramos no caminho nos fazem esquecer do que nos motivou no começo. Nos são fácil e rotineiramente expostos os percalços da profissão. Quem se interessou por este caminho fez sua pesquisa e sabe da carga invisível de trabalho e da falta de valorização da profissão, para citar algumas das possíveis desmotivações. Mas eu pretendo com este texto mostrar quão encantador e realizador pode ser o cotidiano desta profissão, compartilhando com vocês as minhas poucas experiências.
Sempre tive muito respeito e admiração por essa profissão, mas agora do lado de cá, atuando, entendo melhor todas as dificuldades, as responsabilidades e o volume de trabalho que é planejar uma disciplina, preparar as aulas, os exercícios, os trabalhos e provas, e corrigi-los. E sabemos que se somam a essas atividades básicas do ensino os projetos de pesquisa, orientações, coordenação de laboratórios, de projetos de extensão e muito trabalho burocrático. A vida de um professor universitário não se limita às aulas, mas elas são o ponto alto do dia.
O planejamento de uma disciplina é sempre norteado pela ementa dela, onde são listados os conteúdos que devem ser passados, ficando a cargo do professor decidir qual a melhor abordagem e sequência a ser seguida. Para definir qual seria minha abordagem, meu estilo de aula, busquei inspiração nos grandes mestres que tive, relembrei as excelentes aulas que eles deram e destrinchei os motivos para eles terem me marcado tanto. Se antes com eles aprendi diferentes campos da geologia, agora os buscava na esperança de ser didática como eles.
Há uma ideia generalizada de que aluno na universidade entra em sala de aula para ouvir e aprender, e professor para falar e ensinar. Contudo, ela é um tanto equivocada, pois dar uma aula não é a mesma coisa que fazer uma palestra. O protagonista não é o professor, mas o aluno. A aula é para ele, é pensada e planejada de modo a maximizar a retenção do conhecimento por este futuro profissional.
Quando ouvi a frase da comparação entre aula e palestra, pensei quão óbvia ela era, mas hoje sei que não a tinha compreendido em toda a sua profundidade. Certos aprendizados só acontecem mesmo em sala de aula. E foi apenas na primeira vez que entrei em uma sala como professora que o peso da frase teve efeito. Eu não iria apresentar dados, defender interpretações e teorizar modelos. Eu iria guiá-los por diferentes termos, explicar conceitos, instigar seus interesses e curiosidades, e cimentar esses conhecimentos que serão úteis na prática da profissão deles, em um futuro não tão distante.
O ensino das geociências por si só tem um brilho, um apelo mágico. É explicar a nossa casa, a formação do planeta e sua evolução, como foram criadas suas montanhas e o que aconteceram com seus rios e oceanos do passado. Como o planeta se modifica continuamente e de que maneiras essa dinâmica nos afeta. Entretanto, pode ser um pouco difícil para os alunos, especialmente de outras áreas, enxergarem a aplicação desses conhecimentos na prática de suas profissões. Esse é um dos principais desafios do ensino das geociências: mostrar como a nossa espécie busca nas soluções que a natureza criou as respostas para problemas do nosso dia a dia.
O começo da minha atuação como professora foi um pouco anormal por causa da pandemia de COVID-19. Dei uma semana de aula presencial – na minha primeira semana de contrato assinado como professora substituta – e então as aulas presenciais foram canceladas e substituídas por aulas remotas. Voltei a ser estudante para poder ser professora. Busquei curso de didática para aulas online, pesquisei a melhor forma de passar o conteúdo aos alunos, aprendi a gravar e editar vídeos, pesquisei como desenvolver exercícios interativos para substituir algumas atividades práticas. Mas principalmente motivar e gerar interesse através de uma tela de computador.
Completei recentemente um ano como professora substituta no Instituto de Geociências da UFRJ, então não posso ainda afirmar que tenho uma carreira de docente, mas já acumulei certa experiência. Neste período tive mais de 200 alunos, em 6 turmas. E eles me ensinaram a ser professora deles tanto quanto os ensinei sobre minerais e rochas. A cada nova turma vem novos desafios, pois cada turma é diferente da outra e reagem a estímulos diferentes. E o aproveitamento dos ensinamentos passados em sala de aula depende muito da troca e da interação entre professor e aluno.
Todas as turmas são únicas e me motivaram muito, contudo, é inegável que a primeira foi especial. Guardo um carinho diferente por eles porque foram seus interesses, suas perguntas e curiosidades que me ajudaram a perceber que eu estava realizada dando aula, compartilhando o conhecimento que adquiri daquilo que tanto me encanta e encantando outros.
Se dedicar a ensinar é se comprometer a aprender sempre. Novas teorias, novos métodos, novas tecnologias, e os mais diversos interesses dos alunos relacionados ao tema da aula. É papel do professor auxiliá-los nessa busca por respostas. Na maioria das vezes as dúvidas cairão dentro do nosso campo de conhecimento e a explicação sairá fluida. Outras vezes, quando o interesse do aluno excede nosso campo de conhecimento, a melhor resposta que podemos dar é “não consigo te responder isso agora, mas vou pesquisar e te respondo mais tarde”. E como ninguém sabe tudo, há sempre espaço para aprendizado dos dois lados.
O estalo do “quero fazer isso pelo resto da minha vida” veio acompanhado de um sorriso quando ouvi pela primeira vez um aluno dizer “ah, profe, agora eu entendi” e mesmo sem ver a expressão no rosto dele percebi, pelo tom da sua voz, que ele estava sendo sincero e estava feliz por ter entendido algo que o interessou. Digo que o efeito de satisfação e o sentimento de dever cumprido que senti na hora são viciantes. São as dúvidas e confusões dos alunos que me ensinam e me motivam a dar uma aula cada vez melhor, me instigam a buscar novas maneiras de explicar, com outros exemplos, usar novas analogias ou tentar um novo sequenciamento de conteúdo. Como nenhuma turma é igual a outra, nenhuma aula deve ser igual a outra. Assim, aquela ansiedade, a empolgação da estreia e o desafio de inspirar estão sempre presentes, e acabam sendo motivadores no dia a dia.
É cansativo? Muito. Vale a pena? Para mim, definitivamente. Para quem tem essa paixão, vontade, dom... não importa o nome dado... valerá muito a pena. Se você tem dúvidas de que ensinar é o que lhe trará realização profissional, se envolva em estágios de docência durante a pós-graduação ou busque oportunidades temporárias. Experimente. Será uma oportunidade enriquecedora mesmo que você decida por não seguir a profissão.
Referência
Sobre o autor: Renata Ribas Zanella é geóloga estruturalista formada pela UFPR, mestre em geologia regional e geotectônica, com análise de deformação dúctil em terreno polideformado. Doutora em análise de bacias, com integração geológico-geofísica e modelagem gravimétrica de abertura de bacias. Atua principalmente com análise estrutural dúctil e rúptil, geotectônica, processamento e interpretação geofísica, e interpretação estrutural em dados sísmicos. Atualmente é professora na UFRJ.
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