top of page

Geomorfologia sísmica: histórico, técnicas e aplicações

Autor: João Augusto Cunha


A percepção estratigráfica a partir dos dados sísmicos teve início nos anos 70, com o lançamento do memoir 26 da AAPG que apresentou as bases conceituais da sismoestratigrafia [1]. O arcabouço desse novo método se baseou na premissa de que os refletores sísmicos equivalem a linhas de tempo, possuindo assim um caráter geológico [2]. Isso possibilitou a definição de diversos critérios interpretativos aplicados aos dados sísmicos 2D, como as terminações de refletores, as sismofácies e as geometrias externas [3].

As décadas de 80 e 90, por sua vez, foram marcadas por avanços significativos nas técnicas de aquisição, de processamento e de visualização dos dados sísmicos tridimensionais [4, 5], os quais são originados de uma aquisição de linhas sísmicas 2D estreitamente espaçadas que, quando manipuladas computacionalmente, fornecem um volume sísmico com uma cobertura no espaço X-Y-Z [1]. O advento da sísmica 3D, nesse período, resultou no surgimento de novos métodos de análise estratigráfica dos dados sísmicos, como também no aperfeiçoamento dos métodos já existentes. A extração de imagens de vista em planta dos volumes sísmicos, por exemplo, permitiu o imageamento e a interpretação de feições deposicionais de forma mais precisa, o que levou também a um entendimento mais acurado acerca da distribuição litológica e dos elementos ligados aos sistemas petrolíferos [6]. A análise dessas feições deposicionais a partir da sísmica 3D constitui o escopo da chamada geomorfologia sísmica.

A geomorfologia sísmica pode ser definida como o estudo de feições geomorfológicas associadas à atuação de sistemas deposicionais, a partir da utilização da visão em mapa fornecida pelos dados sísmicos 3D [7]. A análise dessas feições geomorfológicas deve ser feita em conjunto com a interpretação sismoestratigráfica, tendo em vista que a última permite o delineamento das superfícies estratigráficas e, dessa forma, possibilita organizar cronologicamente a sucessão rochosa, bem como individualizar feições geneticamente distintas [8] (Figura 1).

Figura 1. Canal disposto em um contexto marinho profundo da Bacia Taranaki, Nova Zelândia. (A) Seção sísmica 2D associada a um horizon slice com uma combinação entre os atributos sweetness e semblance. (B) Imagem de detalhe da seção sísmica 2D, evidenciando refletores de alta amplitude, relacionados a um conteúdo arenítico de preenchimento de canal, como também refletores de baixa amplitude, os quais estão associados a um conteúdo pelítico. (C) Visão inclinada do horizon slice, mostrando um canal sinuoso que apresenta zonas com altos valores de sweetness (cores amarela, vermelha e verde-escuro), relacionadas a litotipos areníticos de canal, bem como zonas com baixos valores de sweetness que são atribuídas a uma dominância pelítica (cores azul e verde-claro). Fonte: [16].


As imagens de vista em planta, utilizadas na geomorfologia sísmica, são provenientes do fatiamento do dado sísmico e podem ser geradas a partir de diferentes técnicas, sendo as principais: time slicing, horizon slicing e stratal/proportional slicing (Figura 2). A técnica time slicing produz fatias sísmicas horizontais (Figura 2a) que funcionam bem em sucessões em que os estratos também são aproximadamente horizontais [8].

Já, o horizon slicing consiste na geração de fatias sísmicas que correspondem a horizontes chaves mapeados ou de fatias que são paralelas a esses horizontes (Figura 2b). Essa técnica apresenta um bom resultado em sucessões uniformes cujos refletores são aproximadamente paralelos ao horizonte de referência [9].

O proportional ou stratal slicing, por sua vez, caracteriza-se pela criação de fatias sísmicas que são intermediárias a dois horizontes chaves mapeados não paralelos, um inferior e um superior [9] (Figura 2c). Assim, o formato das fatias geradas possui características de ambos os horizontes [10] (Figura 2c). Em comparação às outras técnicas, o proportional slicing apresenta a vantagem de ser aplicado em sucessões que possuem uma espessura não uniforme (Figura 2c) ou que são compostas por refletores com baixa continuidade [10].

Figura 2. Diferentes técnicas para a geração de fatias sísmicas a partir do dado sísmico 3D: (A) time slicing, (B) horizon slicing e (C) stratal/proportional slicing. Fonte: [9].


Conforme [1], o workflow básico para a aplicação da geomorfologia sísmica inicia com uma fase de reconhecimento, na qual o intérprete fará uma rápida varredura nas inlines, crosslines e time slices, buscando identificar feições sísmicas anômalas que se assemelham a elementos geológicos. A etapa seguinte consiste na seleção e no mapeamento de horizontes sísmicos associados às feições identificadas. Após serem mapeados, os horizontes podem ser empregados na geração dos horizon e/ou proportional slices, a depender do comportamento das sucessões. Posteriormente, os atributos sísmicos são aplicados nas fatias sísmicas geradas, visando evidenciar e ressaltar detalhes das feições a serem interpretadas. Ademais, o conteúdo litológico associado a cada elemento deposicional pode ser conhecido através da correlação dos dados de poços com o volume sísmico.

Os atributos sísmicos correspondem a qualquer medida do dado sísmico que ajude a melhorar visualmente, ou a quantificar feições de interesse interpretativo [10, 11] e representam uma parte imprescindível da geomorfologia sísmica. Entre os atributos mais utilizados para mapear os elementos deposicionais na visão em mapa estão: amplitude, coherence, curvature, dip magnitude, dip azimuth, sweetness, chaos e spectral decomposition [1, 11, 12, 13] (Figura 3). Quando dois atributos fornecem informações pertinentes acerca das feições imageadas, eles ainda podem ser combinados através das técnicas de co-rendering, produzindo imagens muito mais robustas para o trabalho interpretativo [1].

Figura 3. Exemplos de atributos sísmicos utilizados para evidenciar um canal turbidítico disposto em um contexto marinho profundo. Fonte: [1].


A geomorfologia sísmica vem sendo empregada como uma poderosa ferramenta para a caracterização de diversos sistemas deposicionais, com destaque para os sistemas fluviais, marinhos rasos e profundos [1, 8, 13]. [8] identificaram sistemas fluviais, estuarinos, deltaicos e marinhos na atual plataforma continental do Golfo da Tailândia. Neste trabalho, os autores reconheceram uma gama de elementos arquiteturais associados aos depósitos fluviais, a exemplo dos canais abandonados, região de interflúvio, point bars, scroll bars, chute cutoff, neck cutoff, owbow lakes e vales incisos (Figura 4).

Figura 4. Canais fluviais do Golfo da Tailândia vistos em time slice (160 ms) com os atributos de (a) amplitude e (b) coherence. (c) Interpretação do time slice visto em (a) e (b), apresentando os elementos arquiteturais pertencentes ao sistema fluvial. Fonte: [8].


A geomorfologia sísmica dos ambientes marinhos profundos, por sua vez, já foi abordada extensivamente em diversos estudos ao redor do mundo [14, 15, 16]. O trabalho realizado por [17], por exemplo, apresenta a aplicação dessa ferramenta em dados de águas profundas do Pleistoceno do Golfo do México. Os autores retratam sistemas de leques submarinos denotados por canais, diques marginais e lobos frontais (Figura 5).

Figura 5. Elementos arquiteturais associados a sistemas de leques submarinos do Pleistoceno do Golfo do México. Entre os elementos estão canais submarinos (submarine channels), diques marginais (levees) e lobos frontais (frontal splays). Fonte: [17].


O mapeamento de feições deposicionais, no âmbito da geomorfologia sísmica, resulta em benefícios diretos para a exploração de hidrocarbonetos. A distinção entre os diversos elementos arquiteturais permite compreender a distribuição litológica no dado sísmico analisado e, consequentemente, auxilia na compartimentação das fácies reservatório, selante e geradora do sistema petrolífero [6] (Figura 1). Ademais, a delimitação desses elementos estratigráficos, somada à definição do arcabouço estrutural, contribui para o entendimento das condições de migração e trapeamento dos hidrocarbonetos [6]. Dessa forma, a geomorfologia sísmica, aliada a sismoestratigrafia, representa um importante recurso para a mitigação de riscos relacionados à avaliação de plays petrolíferos, aumentando as chances de se ter um sucesso exploratório.


Referências

[1] POSAMENTIER, H. W.; DAVIES, R. J.; CARTWRIGHT, J. A.; WOOD, L.J. Seismic geomorphology- an overview. In: DAVIES, R. J.; POSAMENTIER, H. W.; WOOD, L. J.; CARTWRIGHT, J. A. (eds.). Seismic Geomophology: Applications to Hydrocarbon Exploration and Production. Geological Society (London), v. 277, n. 1, 1-14, 2007. https://doi.org/10.1144/GSL.SP.2007.277

[2] VEEKEN, P. C. H.; VAN MOERKERKEN, B. Seismic Stratigraphy and Depositional Facies Models. Netherlands: EAGE publications, 2013.

[3] MITCHUM, JR. R. M.; VAIL, P. R.; SANGREE, J. B. Seismic Stratigraphy and Global Changes of Sea Level, Part 6: Stratigraphic Interpretation of Seismic Reflection patterns in Depositional Sequences. In: PAYTON, C.E. (ed.). Seismic Stratigraphy – Applications to Hydrocarbon Exploration. American Association of Petroleum Geologists, v. 26, 117-133, 1977. https://doi.org/10.1306/M26490C8

[4] POSAMENTIER, H. W. Depositional elements associated with a basin floor channel-levee system: case study from the Gulf of Mexico. Marine and Petroleum Geology, v. 20, n. 6-8, 677-690, jun./set., 2003. https://doi.org/10.1016/j.marpetgeo.2003.01.002

[5] CHOPRA, S.; MARFURT, K. J. Evolution of seismic interpretation during the last three decades. The Leading Edge, v. 31, n. 6, 654-676, jul., 2012. https://doi.org/10.1190/tle31060654.1

[6] POSAMENTIER, H. W. Seismic Geomorphology: Imaging Elements of Depositional Systems from Shelf to Deep Basin Using 3D Seismic Data: Implications for Exploration and Development. In: DAVIES, R. J.; CARTWRIGHT, J.A.; STEWART, S.A.; LAPPIN, M.; UNDERHILL, J.R. (eds.). 3D Seismic Technology: Application to the Exploration of Sedimentary Basins. Geological Society (London), v. 29, n. 1, 11-24, 2004. https://doi.org/10.1144/GSL.MEM.2004.029.01.02

[7] POSAMENTIER, H.W. Seismic stratigraphy into the next millennium; a focus on 3D seismic data. In: American Association of Petroleum Geologists Annual Convention, 2000, New Orleans. Anais. New Orleans: AAPG, 2000, 16-19.

[8] REIJENSTEIN, H. M.; POSAMENTIER, H. W.; BHATTACHARYA, J. P. Seismic geomorphobgy and high-resolution seismic stratigraphy of inner-shelf fluvial, estuarine, deltaic, and marine sequences, Gulf of Thailand. AAPG Bulletin, v. 95, n. 11, 1959-1990, nov., 2011. https://doi.org/10.1306/03151110134

[9] KIM, H.; LEE, G. H.; KIM, H. J.; PIGOTT, J. D. Horizon slices of bandwidth-extended seismic data: optimizing thin bed interpretation from spectral decomposition. Geosciences Journal, v. 24, 519-529, fev., 2020. https://doi.org/10.1007/s12303-019-0040-9

[10] BROWN, A. R. Interpretation of three-dimensional seismic data - 7 ed. Memoir, American Association of Petroleum Geologists, v. 42, 2011. https://doi.org/10.1190/1.9781560802884

[11] CHOPRA, S.; MARFURT, K. J. Seismic attributes for prospect identification and reservoir characterization. Society of Exploration Geophysicists, v. 11, 2007. https://doi.org/10.1190/1.9781560801900

[12] HOSSAIN, S.; IMRANUZZAMAN, M. Identification of the architecture and evolution of fluvial system using seismic geomorphology: A case study from Gulf of Thailand. Journal of Natural Gas Geoscience, v. 4, n. 1, 29-46, fev., 2019. https://doi.org/10.1016/j.jnggs.2019.02.001

[13] TORRADO, L.; CARVAJAL-ARENAS, L. C.; MANN, P.; BHATTACHARYA, J. Integrated seismic and well-log analysis for the exploration of stratigraphic traps in the Carbonera Formation, Llanos foreland basin of Colombia. Journal of South American Earth Sciences, v. 104, 102607, dez., 2020. https://doi.org/10.1016/j.jsames.2020.102607

[14] POSAMENTIER, H. W.; KOLLA, V. Seismic geomorphology and stratigraphy of depositional elements in deep-water settings. Journal of Sedimentary Research, v. 73, n. 3, 367-388, maio, 2003. https://doi.org/10.1306/111302730367

[15] BERTON, F.; VESELY, F. F. Seismic expression of depositional elements associated with a strongly progradational shelf margin: northern Santos Basin, southeastern Brazil. Brazilian Journal of Geology, v. 46, n. 4, 585-603, dez., 2016. https://doi.org/10.1590/2317-4889201620160031

[16] LI, Q.; YU, S.; WU, W.; TONG, L.; KANG, H. Detection of a deep-water channel in 3D seismic data using the sweetness attribute and seismic geomorphology: a case study from the Taranaki Basin, New Zealand. New Zealand Journal of Geology and Geophysics, v. 60, n. 3, 199-208, maio, 2017. https://doi.org/10.1080/00288306.2017.1307230

[17] SYLVESTER Z.; DEPTUCK, M. E.; PRATHER, B. E.; PIRMEZ, C.; O’BYRNE, C. Seismic stratigraphy of a shelf-edge delta and linked submarine channels in the northeastern Gulf of Mexico. In: PRATHER, B. E.; DEPTUCK, M. E.; MOHRIG, D.; VAN HOORN, B.; WYNN, R. B. (eds.). Application of the principles seismic geomorphology to continental slope and base-of-slope systems: case studies from seafloor and near-seafloor analogues. Society for Sedimentary Geology (SEPM), v. 99, 31-59, 2012. https://doi.org/10.2110/pec.12.99.0031






254 visualizações0 comentário
bottom of page