Fechando a segunda década do século XXI retrocedendo ao milênio passado. Esse cenário é o tamanho atual da segunda onda vista pelo preço do barril de petróleo (Brent) no ano de 2020[1-2]. A nova crise do petróleo é mais uma vítima do COVID-19. Este vírus tem relevado nossas fragilidades, principalmente enquanto sociedade e no pensamento do bem coletivo. Milhares de mortes com potencialidade do aumento exponencial pela falta de estrutura dos países e negligências. Esta primeira onda de catástrofes vem seguida de outra: uma crise econômica. Esta crise chegou rapidamente ao petróleo levando a cotação do barril abaixo dos 25 dólares, seu menor valor desde 1999 (figura 1), acumulando somente nesses três primeiros meses do ano uma queda de 50% de seu preço. As crises já experimentadas pela indústria de óleo e gás foram resultadas principalmente de interrupções ou escassez no fornecimento. Vale ressaltar que, até certo ponto, o preço do barril de petróleo mais elevado significa uma melhor performance e crescimento da economia global. Isso se deve ao fato de que uma civilização em crescimento demanda alto consumo de energia, onde o petróleo ainda se apresenta como a fonte com o melhor custo-benefício para diversos países. Dessa forma, o crescimento econômico de países emergentes como Índia e China que aumentaram significativamente suas demandas nas últimas décadas, somadas a controle da produção demandados pela OPEP+, resultaram nos preços elevados comparativamente aos do século XX[3]. Porém, na última década, o preço que vinha numa tendência de baixa chegou a valores alarmantes devido a pandemia do novo Corona vírus.
Figura 1: Média anual de preços do petróleo Brent ajustados pela inflação. Notar que os valores de 2020 não estão presentes no gráfico, atualmente o preço do Brent está variando na faixa de 25 dólares (fonte: BP Statistical Review of World Energy, 2019).
O COVID-19 que surgiu como uma onda pequena no horizonte no início deste ano, já tem potencial para se tornar o maior desastre humanitário da nossa geração, principalmente pela potencialização da catástrofe no âmbito econômico, a segunda onda. Nesse cenário, as consequências da desaceleração global na demanda por transporte e a baixa produtividade das empresas, corroeu a demanda por petróleo. A China, maior importadora de petróleo do mundo[4] (figura 2), com a medida de lockdown iniciou uma bola de neve que, juntamente com o conflito de produção entre Arábia Saudita e Rússia, desencadeou o início da crise econômica mundial. Dessa forma, os preços do petróleo foram forçados a cair devido às influências tanto do lado da demanda, quanto da oferta.
Figura 2: Maiores países importadores de petróleo ao longo no ano de 2018 (fonte: TonyMappedIt.com).
Esse cenário de COVID-19 mudará não só a economia mundial, como também influenciará fortemente a geopolítica. O Corona vírus parece ter sido apenas o gatilho para a aceleração de uma nova forma de comportamento da sociedade. O petróleo passou a ter um papel fundamental nesse processo, principalmente a partir do posicionamento da Rússia frente a Arábia Saudita, negando-se a reduzir a produção para segurar a queda dos preços em face a queda na demanda. Em contrapartida, o país do Oriente Médio não apenas manteve, como anunciou o aumento da produção, fazendo com que os preços despencassem a valores históricos. Nesse cenário, talvez o fator mais importante que está em jogo é a mudança de influência dos principais produtores. O preço do barril abaixo dos 25 dólares pode trazer consequências drásticas aos países da OPEP, devido sua dependência econômica a esta commodity. A Venezuela e Irã, por exemplo, podem vir a enfrentar sérias crises civis devido as ditaduras existentes nesses países e seus conflitos políticos[2]. Porém, o principal foco está no shale americano. Com o breakeven do shale oil entre US$ 38 e US$ 48 o barril[5], algumas empresas correm sérios riscos de não se manterem no mercado. Principalmente porque muitas empresas de shale já operavam em alavancagem alta, com dependência de grandes investimentos para manterem a produção. Com isso, é esperado a falência de muitas companhias petrolíferas nos EUA, principalmente as de pequeno porte. Contudo, o posicionamento intervencionista que tem sido adotado pelo banco central americano (FED) e pelo presidente Donald Trump face ao cenário COVID-19 indicam que o Governo Americano pode vir a bancar e segurar os prejuízos do setor [6-7]
No Brasil, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, afirmou que é possível a companhia viver com o petróleo abaixo de US$ 25 por barril, apesar de estarem elaborando projetos com foco no petróleo a US$35 [8]. Outro ponto importante levantado pela diretora financeira da companhia, Andrea Marques de Almeida, é o custo das operações do Pré-sal que está no valor de US$ 21 [9], de modo que acima desse patamar ainda é possível geração de caixa pela empresa. Porém, ressalta que as análises vão além do break even: “É sobre break even, alavancagem e todas as coisas que temos que considerar juntas”. De fato, alguns campos da Bacia de Campos e alguns no Pré-sal terão sua produção cortada. No dia 01/04, a empresa anunciou um corte de 200 mil barris/dia, por prazo indefinido, em resposta a crise[8]. O pesquisador da National Institute of Oil and Gas e discente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Doutor Cleveland Jones, em entrevista à revista Latin America Advisor, destacou as perspectivas positivas frente aos outros produtores da América Latina. Enquanto muitos países irão sofrer graves perdas, devido as recentes reformas legais e o baixo custo de produção dos poços, o Brasil tem capacidade de passar com menos turbulência pela crise. O pesquisador ressalta a relevância que o país pode vir a ter pela capacidade de gerar caixa mesmo com preços baixos do barril de petróleo.
Por fim, cabe ressaltar a importância do petróleo para economia mundial, mesmo com a força da propaganda sobre “energias verdes”, o petróleo (óleo e gás) ainda representa cerca de 57% da energia consumida no mundo (figura 3). Se somadas com o carvão, a importância dos combustíveis fósseis fica ainda mais expressiva, chegando a incríveis 85% das fontes de energia: quem detém a produção desses bens, tem poder de ditar o crescimento de nações inteiras. Contudo, outra consequência importante derivada da crise é a potencial aceleração da transição energética para energias renováveis, para além do discurso de mitigação das mudanças climáticas, o peso geopolítico poderá impor novas demandas de fontes de energia, principalmente se o mundo entrar em um período sustentado de petróleo barato. Por enquanto, ainda estamos vendo de longe a segunda onda se formar. Não sabemos se irá quebrar na praia ou se irá avançar causando destruição continente adentro. A única certeza é a incerteza sobre o futuro. Devemos permanecer atentos às novas informações para saber se continuamos ou não observando a onda se formar da orla da praia.
Figura 3: Proporção de consumo de energia mundial pelo tipo de fonte energética (fonte: Our World in Data).
Texto escrito pela YP Carolina Amorim.
Referências:
3 ZHAO, Hongtu. Energy Crisis: “Natural Disaster” and “Man-Made Calamity”. In: ZHAO, Hongtu. The Economics and Politics of China's Energy Security Transition. Academic Press: an imprint of Elsevier. 2019. p.65-98. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-815152-5.00004-X
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