top of page

O papel do geólogo no planejamento de poços produtores de petróleo

Autor: Fábio Berton

Imagem ilustrativa. Fonte: Angelim, 2020.


O planejamento de poços produtores é provavelmente uma das atividades mais multidisciplinares da indústria do petróleo, o que a torna ao mesmo tempo desafiadora e gratificante. É neste momento que as incertezas a respeito do conceito geológico do reservatório, da compartimentação do campo e das reservas disponíveis deixam de ser números e passam a ser problemas palpáveis que demandam soluções práticas, e muitas vezes criativas. Cada companhia tem sua própria forma de trabalhar, mas o objetivo é sempre o mesmo: furar poços baratos que garantam a drenagem eficiente, segura e inteligente do reservatório. Isso pode parecer bastante óbvio, mas em campos maduros que produzem há muitos anos, os avanços tecnológicos nos mostram que várias decisões do passado afetam negativamente a liberdade de planejamento de poços no presente. Isso não é, de forma alguma, dizer que o trabalho feito no passado não foi bom, mas admitir que sempre existirão limitações no nosso entendimento da subsuperfície. Um bom planejamento de poço deve, portanto, focar na mitigação de riscos e incertezas considerando que um poço faz parte de algo maior, de uma estratégia de drenagem.


A Estratégia de Drenagem

Quando um campo passa da fase de exploração para a fase de produção, inúmeras incertezas permanecem. As equipes de exploração lidam com dados de subsuperfície limitados que geralmente incluem volumes sísmicos 3D e os perfis de alguns poucos poços exploratórios. A partir da interpretação sísmica é possível estabelecer o contexto geológico e as dimensões do reservatório que se pretende explotar, mas a limitação da resolução tende a ser grande o suficiente para que as estimativas de reservas variem de muito otimistas a muito pessimistas. Os dados de poços tendem a ser raros e com correlação limitada, e os testemunhos comumente

representam apenas uma fração do intervalo de interesse, quando muito. Como consequência, as limitações no entendimento de uma nova área a ser explorada tendem a só ficar claras depois que a produção efetivamente começa.


A seleção dos locais ideais para a perfuração de poços produtores deve levar em conta o entendimento do reservatório, dos fluidos, dos riscos operacionais e da capacidade de produção. Vários destes aspectos são incertos no início da fase de produção, e devem ser reavaliados com o tempo. Quanto mais complexo o contexto geológico de uma área, maiores serão as incertezas e mais difícil será estabelecer uma estratégia de drenagem ótima. Em geral, essa complexidade é abordada de forma pragmática e econômica em modelos computacionais de reservatório que incluem as certezas e incertezas que podem influenciar a drenagem de um campo. O modelo estático – ou geológico – inclui todas as feições e características geológicas que podem afetar o fluxo de petróleo em um reservatório, sendo ‘alimentado’ por geólogos, geofísicos e petrofísicos que tentarão fazer com que ele seja o mais representativo da realidade possível.


Muitas informações relevantes para um modelo de reservatório são limitadas pela qualidade dos dados de subsuperfície. As dimensões do reservatório podem variar imprevisivelmente dentro das limitações da resolução sísmica, e a distribuição de fácies é algumas vezes balizada mais pelo conceito geológico do que pelos dados propriamente ditos. O geólogo de modelagem

deve estar ciente da confiabilidade e limitações dos dados que alimentam o modelo estático, dando maior ou menor peso a seus efeitos e embutindo maior ou menor incerteza a eles. Parte das propriedades de um reservatório é distribuída de forma determinística, quando se tem certeza ou grande confiança, e parte é distribuída de forma estocástica, admitindo um grau de variação maior, ainda que não completamente aleatório. O modelo estático do reservatório serve como base para a construção de um modelo dinâmico, manejado pela equipe de engenharia de reservatórios.


O modelo dinâmico adiciona às informações estáticas as características dinâmicas que influenciam o comportamento de fluxo do petróleo durante a produção. Basicamente é este modelo que indicará – com uma margem de erro – quantos poços serão necessários para drenar o campo, e quais suas posições ideais para garantir que pouco ou nenhum petróleo fique para trás. Também é a partir das simulações dinâmicas, balizadas por critérios geológicos e econômicos, que o design geral dos poços é estabelecido.  O que se deve buscar é um balanço entre custo e benefício para determinar se a melhor opção é furar poços verticais, direcionais, horizontais etc. Geralmente os modelos dinâmicos envolvem tantas variáveis complexas que é necessário fazer um upscaling entre o modelo estático e o dinâmico, para atingir um balanço entre o tempo e a capacidade computacional disponível. Essa mudança de escala pode fazer com que informações importantes sejam perdidas ou não consideradas com a devida atenção, tornando o trabalho multidisciplinar ainda mais importante.


A partir das simulações do modelo dinâmico são sugeridos os poços a serem perfurados, tratados como “targets” ou “alvos potenciais”. Cabe às equipes de geologia e geofísica avaliar a confiabilidade geológica desses alvos, enquanto as equipes de engenharia de perfuração avaliam sua viabilidade técnica. Portanto, a estratégia de drenagem final é um produto feito em conjunto pela equipe multidisciplinar. Tanto o modelo estático quanto o modelo dinâmico devem ser atualizados regularmente, incluindo os resultados dos novos poços perfurados e quaisquer novos dados ou interpretações relevantes para a área. Os dados de produção podem ser comparados com a prognose do modelo dinâmico, levando à avaliação de sua confiabilidade. Essa comparação e atualização do modelo para que se aproxime mais da realidade é chamada history matching. Em termos gerais, pode-se dizer que um campo com bom history matching é um campo onde as incertezas são baixas e a compreensão de subsuperfície é alta. Neste caso, a confiança no posicionamento dos poços a serem perfurados também é alta.


O Planejamento do Poço

O ponto primordial para o planejamento de um poço produtor é sua economicidade, calculada a partir da estimativa de volume de petróleo que se espera que ele drene ao longo de sua vida útil em comparação com a estimativa de custos para sua perfuração e completação. A estimativa de reservas deriva do modelo dinâmico e tende a ser muito incerta no início da vida de um campo. Poços que eram certamente econômicos em determinada situação de mercado podem rapidamente se tornar arriscados ou negativos em outra situação. A forma mais comum de avaliar o potencial econômico de um poço é através de seu Break-Even, ou seja, da determinação de qual valor mínimo do barril de petróleo para garantir sua economicidade. Outras formas de avaliação têm sido feitas em tempos de mercados voláteis, como o custo do poço por barril produzido, ou o fluxo de caixa negativo/positivo. O potencial econômico de um poço também pode ser melhorado ao longo do planejamento, através de corte ou mudança de equipamentos, ou da mitigação de riscos específicos.


As informações básicas para começar a planejar um poço vêm das fases anteriores de estabelecimento da estratégia de drenagem. A trajetória inicial do poço é simples e comumente precisa ser otimizada. As fases iniciais do planejamento são geralmente focadas nas equipes de geologia, geofísica e petrofísica, que devem avaliar se o poço está na melhor posição considerando o conceito geológico e suas incertezas, ou se mudanças são necessárias. Há vários fatores podem motivar essas mudanças: o time pode, por exemplo, identificar que o poço não está localizado exatamente sobre a zona de melhor potencial segundo o dado sísmico, que tenham sido identificados riscos geológicos que podem prejudicar consideravelmente a qualidade do reservatório ou a segurança das operações. Grande parte desses estudos deriva da interpretação sísmica, utilizando a geomorfologia sísmica e atributos para avaliar detalhes que não são vistos na interpretação sísmica convencional. Dados de petrofísica dos poços já perfurados podem ser distribuídos utilizando como base as interpretações oriundas da sísmica e de modelos análogos de reservatório. De acordo com a confiabilidade dessas interpretações, é possível avaliar se o poço a ser perfurado está realmente localizado em uma boa área ou não.


Durante as revisões de trajetória, é importante que a equipe não se esqueça que o poço tem por objetivo drenar determinada(s) unidade(s) de fluxo; mudanças em excesso podem prejudicar seriamente a estratégia de drenagem de todo o campo, afetando a produção de outros poços, deixando para trás reservas que só poderiam ser drenadas naquele target específico, ou até mesmo criando zonas de risco de colisão para futuros poços. Algumas vezes é necessário voltar para os modelos para fazer adaptações, testando o que aconteceria em diferentes cenários antes de tomar uma decisão final. Após a localização do poço ser estabelecida com maior segurança respeitando os critérios técnicos, é comum que se estabeleçam ‘alvos’ para a equipe de perfuração. Estes alvos consistem em zonas que o poço deve necessariamente cruzar para cumprir seus objetivos, levando em conta as incertezas verticais e laterais dos dados de subsuperfície. Na prática, eles representam uma margem de erro para a equipe de perfuração.


Nem sempre é possível fazer as alterações necessárias e posicionar o poço em um ponto ideal segundo o conceito geológico. A depender da densidade de poços perfurados em campos maduros, a tendência é de que haja pouco espaço de manobra para os engenheiros de perfuração, e muitas vezes a limitação para a viabilidade de um poço é estritamente tecnológica. É importante que a equipe de planejamento de poços da área de tecnologia de produção trabalhe em contato com os engenheiros de perfuração e completação, para que as limitações técnicas sejam abordadas desde o início do projeto. É importante também que se façam as análises de riscos envolvendo profissionais das mais diversas áreas, e que as medidas de mitigação desses riscos sejam elencadas e aplicadas rigorosamente. Geralmente essa é a fase que demanda novos estudos e avaliações, e é o momento em que se estabelece um plano de aquisição de dados para reduzir riscos de perfuração, garantir o posicionamento correto e adquirir informações para poços futuros. O plano de aquisição deve levar em conta a maturidade do campo, os custos e o design do poço.


Com base em todas essas análises, a equipe deve apresentar um ou mais conceitos possíveis para o poço, com todos os riscos e incertezas claramente expostos e com uma estratégia clara para reduzi-los. A equipe de engenharia de perfuração e completação utilizará essas informações para organizar um plano de perfuração detalhado, com seleção de equipamentos adequados às condições geológicas. Esse é o momento em que os custos se tornam mais reais e, muitas vezes, é preciso um esforço em equipe para encontrar soluções para reduzir custos. Em poços direcionais e horizontais também é necessário fazer um planejamento de detalhe de geo-navegação (geosteering), prevendo todas as decisões e cenários de subsuperfície que podem afetar a qualidade do poço. Só após ter um plano robusto o poço pode ser aprovado e seguir para a fase de execução. As informações devem ser claras, bem ilustradas e facilmente acessíveis às equipes que vão coordenar e executar a perfuração propriamente dita. Após a aprovação do projeto, a equipe de planejamento de poço deixa de ser o ponto focal e passa a atuar no apoio para a equipe de operações, mesmo durante a tomada de decisões em tempo real. Caso o poço erre seu alvo, a equipe de planejamento volta a entrar em ação, para avaliar a possibilidade de se furar um sidetrack.


Aprendizado

O aprendizado com as experiências da perfuração é tão importante quanto o planejamento do poço em si. Se um erro foi cometido ou algo imprevisto aconteceu, deve-se avaliar friamente suas causas e estabelecer maneiras para evitar sua repetição. Mesmo resultados negativos podem trazer grandes aprendizados para o futuro. Algumas questões devem ser respondidas


▪ Os resultados do poço estão coerentes com o conceito geológico?

▪ O Net to Gross é coerente com o previsto?

▪ As ferramentas de perfilagem foram úteis? Algo pode ser cortado ou deva ser incluso nos próximos poços?

▪Os equipamentos de perfuração e completação responderam bem às condições de subsuperfície? Se não, quais foram as causas do mau funcionamento?

▪ Os resultados de produção inicial foram melhores ou piores do que o

previsto no modelo dinâmico?


Conclusão

O planejamento de poços produtores de petróleo é certamente uma atividade desafiadora, mas é justamente esta complexidade que torna o trabalho mais gratificante. Se um profissional da indústria do petróleo tiver a oportunidade de trabalhar no estabelecimento de uma estratégia de drenagem e no planejamento de poços, eu recomendo que a agarre, mesmo que seja apenas durante uma rápida rotação na empresa. Ambas as atividades levam invariavelmente a uma visão mais holística do papel do geocientista na indústria do petróleo, tanto pelo aspecto multidisciplinar quanto pela entrega de resultados físicos e palpáveis. As atividades de planejamento de poço têm se tornado cada vez mais dinâmicas e limitadas pela oscilação do mercado do petróleo nos últimos anos. Enquanto os avanços tecnológicos permitiram um grande salto na redução de incertezas de subsuperfície, a realidade do mercado de óleo e gás levou a um nível de exigência maior para entregar mais por menos. Processos de planejamento de poços que antes demandavam oito ou nove meses, hoje podem ser feitos em dois ou três. Se por um lado essa redução é um bom indicativo do aumento da eficiência das equipes de planejamento de poço e da melhora dos métodos de trabalho das empresas, por outro lado ela aumenta o risco de não-absorção dos aprendizados. É importante que uma equipe de planejamento de poço tenha uma estratégia sólida, que não considere apenas a viabilidade do target, mas também as consequências das decisões do presente para o futuro do campo.




Referências

Angelim, K. 2020. Disponível em: <https://clickpetroleoegas.com.br/petro-victory-inicia-perfuracao-onshore-de-poco-exploratorio-de-petroleo-no-espirito-santo/>



Sobre o autor: Fábio Berton é Geólogo de reservatório na Equinor, possui graduação em Geologia, Mestrado em Geologia/Ciências da Terra e Doutorado em Geologia Exploratória pela UFPR (https://www.linkedin.com/in/f%C3%A1bio-berton-86060045/)

333 visualizações0 comentário
bottom of page