Autora: Alessandra Peçanha
A produção e o uso de energia constituem as maiores fontes globais de gases do efeito estufa, que embora sejam os responsáveis por manter a vida na terra, também são responsáveis pelo aquecimento global e as mudanças climáticas, quando emitidos em excesso por fontes antropogênicas.
De acordo com o relatório International Energy Outlook 2017, a previsão é de que a demanda energética mundial cresça mais de 30% até 2040, tornando essencial implantar estratégias para mitigar as emissões desses gases, em especial do gás carbônico (CO2), a fim de ir de encontro com uma transição para energias mais limpas.
Para alcançar o objetivo do Acordo de Paris, de assegurar o aumento da temperatura média global abaixo de 2ºC, além de uma redução de 800 Gigatoneladas (Gt) de CO2 emitidos na atmosfera, estima-se uma necessidade de captura e armazenamento de CO2 de 120 a 160 Gt até 2050 (Mac Dowell e Shah, 2017).
Segundo o relatório World Energy Outlook 2017, está previsto que a contribuição das tecnologias CCS seja próxima a 10% da redução de emissões de CO2 até 2040, podendo representar 19% da redução das emissões em 2050 (Figura 1). Atualmente, três quartos do CO2 capturado em instalações de larga escala são provenientes de operações de óleo e gas (IEA, 2019).
Figura 1: Abatimento de CO2 por domínio no Cenário de Desenvolvimento Sustentável. Fonte: International Energy Agengy WEO 2017.
As grandes empresas setor de óleo e gás têm buscado diversificar suas operações, investindo em negócios de baixo carbono dentro das empresas, como em energias eólicas, solar fotovoltaica, e nas tecnologias CSS.
TECNOLOGIAS CCS
CCS, sigla em inglês para Carbon Capture and Storage, é um conjunto de tecnologias de captura e armazenamento de gás carbônico, evitando assim, sua emissão na atmosfera a partir de atividades industriais. A emissão de CO2 é resultado da queima de combustíveis fósseis (carvão, óleo, gás natural), biocombustíveis e biomassa para fornecer calor ou para o próprio processo industrial. A queima de combustível em câmaras de combustão em atividades de larga escala foi e ainda é a tecnologia mais economicamente viável para a geração de energia, por isso a necessidade não só de investir em fontes renováveis de energia, mas também mitigar as emissões dessas fontes.
São três as principais formas de captura de CO2, dependendo do contexto a que ela será aplicada, podendo ser através da pós-combustão, da oxi-combustão, ou da pré-combustão.
Pós-combustão
Há diversas tecnologias de captura de CO2 através de sistemas de pós-combustão, sendo os processos de absorção baseados em solventes químicos os mais largamente utilizados. Como ilustra a Figura 2, neste método, o CO2 é capturado após passar pela combustão. Após o resfriamento do gás da combustão, ele é posto em contato com um solvente no absorvedor. Através de uma reação química usando um solvente baseado em amina, comumente monoetanolamina ou dietanolamina, o solvente rico em CO2 é transferido para o stripper (ou regenerador). O gás carbônico é extraído do solvente a temperaturas mais elevadas formando nitrogênio, água e uma pequena parcela de H2O2, SO2 e H2SO4 (IPCC, 2005).
Figura 2: Desenho esquemático de uma planta de captura de CO2 por pós-combustão. Fonte: Global CCS Institute.
Oxi-combustão
Semelhante ao processo de captura de CO2 por pós-combustão, nesta abordagem, o combustível ao invés de ser queimado com ar, ele é queimado com oxigênio puro ou uma mistura de oxigênio e CO2 a altas temperaturas. Neste processo, como no diagrama da Figura 3, o oxigênio é separado do nitrogênio e, a partir desta etapa, pode ser usado diretamente para a combustão na presença de vapor d'água e CO2, reciclado pelo sistema. Ao final do processo são produzidos principalmente CO2, a uma concentração de 80-98%, e água. Este vapor de CO2 concentrado pode ser comprimido, seco e purificado, chegando a uma concentração muito próxima a 100% para o armazenamento (IPCC, 2005).
Figura 3: Desenho esquemático de uma planta de captura de CO2 por oxi-combustão. Fonte: Global CCS Institute.
Pré-combustão
Um sistema de pré-combustão envolve uma série de reações químicas gerando uma mistura gasosa (hidrogênio e dióxido de carbono), a partir de um combustível primário (Figura 4). No início do processo, vapor de água é usado para produzir CO2 a partir do monóxido de carbono. Numa etapa mais tardia, o combustível passa por um processo de oxidação parcial ou gaseificação, quando aplicado a combustíveis gasosos e líquidos ou quando aplicado a combustíveis sólidos, respectivamente. Em seguida ocorre a reação de troca, convertendo monóxido de carbono em CO2, a partir de uma nova adição de vapor, para que finalmente o CO2 seja separado. A pré-combustão é utilizada para produzir hidrogênio na forma de combustível e para reduzir o conteúdo de CO2 de combustíveis (IPCC, 2015).
Figura 4: Desenho esquemático de uma planta de captura de CO2 por pré-combustão. Fonte: Zeroco2.co (cortesia de Vattenfal kjell-design.com)
Armazenamento geológico de CO2
Após a captura do CO2, ele é transportado para o local onde será armazenado ou para outras indústrias, onde será utilizado. O gás carbônico é comprimido e transportado em estado líquido de forma similar a outros gases, normalmente através de dutos ou, alternativamente, através de rodovias, ferrovias, ou por via marítima.
As opções de armazenamento geológico de CO2 são a injeção em reservatórios depletados de óleo e gás; reservatórios profundos saturados de águas salinas; o uso do CO2 para a recuperação avançada de óleo ou gás; camadas profundas de carvão mineral inexploráveis; o uso do CO2 na recuperação avançada de metano em jazidas de carvão mineral e outras opções sugeridas: formações basálticas, folhelho betuminoso e cavernas (Figura 5) (IPCC, 2005).
Figura 5: Opções de armazenamento geológico de CO2. Fonte: adaptado de IPCC, 2005.
Para que o CO2 permaneça armazenado de forma segura por dezenas de milhares de anos é preciso que formações geológicas candidatas ao armazenamento do CO2 tenham porosidade e permeabilidade apropriadas para que o CO2 possa fluir facilmente dentro de sua capacidade a partir do ponto de injeção, e precisa haver trapeamento adequado que impossibilite a fuga do CO2 para a superfície.
Existem quatro mecanismos principais que ajudam a trapear o CO2 em profundidade: trapeamento estrutural, trapeamento residual, trapeamento por solubilidade e trapeamento mineral.
O trapeamento estrutural é o trapeamento físico do CO2, mecanismo que captura a maior parte do CO2 injetado. As camadas de rochas impermeáveis e falhas dentro e acima da formação onde o CO2 é injetado atuam como selo, que impedem que o CO2 se mova de forma ascendente para além dos limites da formação onde o CO2 foi armazenado. A Figura 6a superior mostra o CO2 preso sob uma trapa côncava, e a imagem inferior mostra que o CO2 é impedido de migrar verticalmente pela rocha sobreposta devido a uma falha selada à direita.
O trapeamento residual se refere ao CO2 que permanece preso no espaço poroso, entre os grãos de rocha, à medida que o CO2 migra através dos poros. Quando CO2 no estado supercrítico é injetado na formação, ele desloca o fluido existente à medida que se move, enquanto isso, pequenas porções de CO2 são deixadas para trás como gotas desconectadas ou residuais, como ilustra a Figura 6b.
No trapeamento por solubilidade, parte do CO2 injetado na rocha será disssolvido na água salina, que ocupa os espaços porosos da rocha. Na interface CO2/água salina, parte das moléculas de CO2 dissolvem na água, e parte desse CO2 dissolvido é combinado com os átomos de hidrogênio disponíveis para formar HC (bicarbonato) (Figura 6c).
Por fim, no trapeamento mineral, o CO2 dissolvido na água salina, reage com os minerais da rocha, formando minerais sólidos e imóveis. O CO2, ao ser dissolvido na água, forma um ácido carbonático fraco (H2CO3) e bicarbonato. Esse ácido fraco pode reagir com os minerais das rochas ao redor para formar minerais de carbonato, que capturam permanentemente uma porção do CO2 injetado. A Figura 6d ilustra a formação do mineral MgCO3, carbonato de magnésio, a partir da reação do CO2 dissolvido na água com a superfície do grão da rocha que contém magnésio.
Figura 6: Diagramas ilustrativos dos diferentes tipos de trapeamento de CO2 armazenado em subsuperfície. (a) trapeamento estrutural, (b) trapeamento residual, (c) trapeamento por solubilidade, (d) trapeamento mineral. Fonte: NETL - National Energy Technology Laboratory.
Além da porosidade e permeabilidade das rochas e do trapeamento eficiente, O CO2 também precisa ser armazenado a uma profundidade adequada. Em profundidades entre 800 e 1000 metros, o CO2 assume sua fase supercrítica (a partir de uma pressão de 72.8 atm e temperatura de 31.1 ºC), o que é uma das vantagens de injetar o CO2 em profundidade: o volume de armazenamento necessário para estocar o CO2 na fase supercrítica é consideravelmente menor do que sob condições atmosféricas.
Figura 7: Variação do volume do CO2 com a profundidade, assumindo pressão hidrostática e um gradiente geotérmico de 25 ° C km – 1 a partir de 15 ° C na superfície (com base nos dados de densidade de Angus et al., 1973). Fonte: NETL - National Energy Technology Laboratory.
Em 1996, o primeiro projeto de CCS de grande escala do mundo foi iniciado pela empresa Equinor, no campo de óleo e gás de Sleipner (Figura 8), no Mar do Norte. O gás natural produzido no Campo de Sleipner contém altas concentrações de CO2, aproximadamente 9%, que precisa ser reduzido a 2,5%, para atender a demanda comercial.
Figura 8: Campo de óleo e gás de Sleipner, Mar do norte. Fonte: Global CCS Institute
O CO2 é separado do gás natural e reinjetado nos aquíferos salinos, da Formação Utsira, a partir de um poço de injeção quase horizontal a uma profundidade de 1012 metros abaixo do nível do mar (Figura 9). Calcula-se que até o fim de 2017, cerca de 17 Mt de CO2 foi injetado e armazenado em subsuperfície (Equinor, 2019). O reservatório arenítico da Formação Utsira tem uma capacidade de armazenamento na ordem de 1-10 Gt CO2, dos quais espera-se utilizar um total de 20 Mt de sua capacidade.
A movimentação da pluma de CO2 tem sido monitorada por sísmica time-lapse, modelagem geológica e simulação de movimento dos fluidos (Eiken, 2019).
Figura 9: Diagrama simplificado do projeto de captura e reinjeção de CO2 em Sleipner, Mar do norte (Baklid et al., 1996 em IPCC, 2005)
Com o passar dos anos, diversos projetos de pesquisa públicos e privados foram iniciados e empresas de óleo e gás passaram a se interessar cada vez mais nas tecnologias CCS como uma importante alternativa para mitigar as emissões de CO2. Com o progresso das pesquisas e maturidade dos projetos, o nível de confiança nas tecnologias aumentou, houve um consenso sobre a importância de um portifólio amplo de opções de mitigação, e de que a captura de CO2 poderia ser capaz de contribuir enormemente na redução das emissões de CO2 (IPCC, 2005).
O Brasil, graças às suas bacias sedimentares, tem um enorme potencial de armazenamento geológico de CO2, na ordem de 2000 Gt. O potencial de mitigação de CO2 encontra-se principalmente nas províncias petrolíferas do Pré-sal e da Bacia do Recôncavo (Câmara et al., 2009), embora estudos também venham sendo realizados sobre o potencial da Bacia do Paraná, pelo Programa de Abatimento de CO2 no Research Centre for Gas innovation, da USP.
Referências
Câmara, G., Andrade, J. C., Rocha, P. 2011. Tecnologia de armazenamento geológico de dióxido de carbono: panorama mundial e situação brasileira. Revista Eletrônica Sistemas & Gestão 6, pp 238-253.
Eiken, O. 2019. Twenty Years of Monitoring CO2 Injection at Sleipner. Geophysics and Geosequestration, 209–234.
Equinor 2019. Disponível em: <https://www.equinor.com/en/news/2019-06-12-sleipner-co2-storage-data.html>
Global CCS Institute. Disponível em: <https://www.globalccsinstitute.com/why-ccs/what-is-ccs/>
IPCC, 2005. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/report/carbon-dioxide-capture-and-storage/>
International Energy Agency World Energy Outlook 2017. Disponível em: <https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2017>
Mac Dowell, N., Fennell, P., Shah, N. et al. 2017. The role of CO2 capture and utilization in mitigating climate change. Nature Climate Change 7, 243–249. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/nclimate3231?proof=true1>
National Energy Transition Laboratory. Disponível em: <https://www.netl.doe.gov/>
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